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entrevista com o marcelo nudel da ca2

Atualizado: 10 de dez. de 2021

Marcelo Nudel combina suas habilidades como arquiteto com os aspectos técnicos de sua formação na concepção de projetos de alto desempenho ambiental . Possui vasta experiência em processo de projeto integrado e habilidades avançadas em conforto ambiental e eficiência energética. Esteve envolvido em projetos multidisciplinares de edifícios que integram estratégias térmicas passivas, luz natural e desempenho energético em países como Austrália, Espanha e Brasil.



Você poderia me contar um pouco mais sobre a trajetória que te levou a co-fundar a Ca2?


Eu me formei em 2004. Em 2003 precisei começar a fazer meu trabalho de graduação, então eu comecei a pesquisar alguns temas relacionados à edifícios inteligentes, à sustentabilidade, que era algo que estava surgindo naquela época e comecei a me interessar sobre o assunto, estudei bastante e vi que tinham poucas referências sobre isso aqui no Brasil.

Então, eu fui fazer uma pós graduação na Austrália, na Universidade de Sidney, em design ambiental dos edifícios, muito envolvendo técnicas e cálculos de conforto térmico, luz natural, eficiência energética… como o desenho arquitetônico poderia auxiliar esse processo de conforto ambiental. Fiz a pós graduação e, em Sidney comecei a trabalhar nessa multinacional de engenharia chamada Arup, fiquei por cinco anos nessa empresa em Sidney.

Em 2012 voltei pro Brasil, quando a empresa decidiu abrir uma filial no Brasil, na época das olimpíadas, e foi quando eu comecei a entrar em contato com as questões de sustentabilidade aqui no Brasil.


Em 2015 me desliguei na empresa, a empresa começou um processo para sair do Brasil e eu também achei que era o momento de sair. Ai, eu fundei a Ca2 muito com base nesse princípio que eu aprendi ao longo desses oito anos na Arup.



Então mesmo na faculdade você já tinha ideia de que queria se inserir na área de sustentabilidade?


Sim. Assim é difícil falar… Eu não sabia que ia atuar nesse meio, na verdade a minha ideia era justamente ir pra Austrália pra aprender e aplicar nos meus projetos futuros… como arquiteto, mas aí eu acabei trabalhando numa empresa de engenharia como consultor nessa área e acabei migrando a minha carreira pra essa vertente.


Mas desde o último ano da faculdade eu me interessei por isso, então, na verdade foi meu trabalho de graduação que me possibilitou abrir um leque de ideias que me levaram pra onde eu tô hoje.



Olhando o portfólio da Ca2 no site, tem alguns projetos muito interessantes. Algum deles você diria que te marcou mais, que você goste mais?


O aeroporto de Florianópolis, com certeza. Foi um trabalho que me marcou mais dos que eu pude fazer pela Ca2 por algumas razões.


Primeiro, o cliente era muito comprometido com o que a gente tava se propondo a fazer. Muitas vezes a gente é contratado por que o cliente tem uma demanda que ele não sabe muito bem da onde vem, por sustentabilidade, por conforto ambiental, e aí o processo não caminha bem, às vezes o cliente não tá muito interessado, às vezes o arquiteto não ta interessado em absorver as recomendações que a gente dá, até por que, quem faz o projeto é o arquiteto contratado, a gente dá os inputs e as informações pra ele trabalhar em cima, faz recomendações, mas se o arquiteto não quer ou se o cliente não quer, nosso trabalho acaba não surtindo efeito.


No caso do aeroporto de Florianópolis, o cliente estava bastante comprometido com isso, então eles estavam exigindo que o edifício tivesse níveis de eficiência energética e conforto ambiental mais adequados e a construtora contratada para gerenciar o projeto e construir também estava comprometida com isso.


Então, eles realmente ouviam o que a gente tinha pra falar e isso surtiu um efeito muito grande. A gente conseguiu reduzir o custo valor da envoltória, conseguiu através da inserção de brises e beirais dimensionados de maneira adequada, conseguiu reduzir o custo do vidro com mais luz natural. Conseguiu com base nas estratégias de redução de carga térmica da envoltória, reduzir em 25% a potência instalada do ar condicionado.


Foi muito bem sucedido esse trabalho basicamente porque deixaram a gente trabalhar



Gostaria de saber um pouquinho sobre como é a rotina da Ca2, são muitos projetos ao mesmo tempo?


Os projetos chegam conforme a demanda de mercado, não tem periodicidade fixa, se o mercado está aquecido a demanda é bastante grande e a gente vai tocando conforme a necessidade do cliente.


Entra um projeto a gente verifica se a equipe está dimensionada para pegar um projeto novo e vai jogando com as peças: realoca equipe e assim vai. Toda segunda a gente tem uma reunião onde a gente junta os coordenadores dos projetos, a gente passa pra todos o andamento de cada projeto, eles dão uma data final do projeto e a gente tem ali, eventualmente, uma fila de projetos para iniciar e já vai re-alocando o pessoal.



E esses grupos são feitos baseados no interesse, disponibilidade conhecimento da pessoa? Como funciona?


É um pouco de cada coisa. Tem gente que é bom em simulação de desempenho térmico e luz natural, por exemplo, então quando a gente tem um projeto de maior complexidade técnica a gente direciona para alguém que tem mais experiência.


Os projetos mais simples, geralmente, ficam com as pessoas que têm menos experiência ou com os estagiários sob supervisão, justamente pra pessoa pegar o andamento do negócio, começar a aprender.


Então, a questão da afinidade com o tema e o nível de experiência faz parte da nossa decisão em alocar determinado projeto para determinada pessoa, e a disponibilidade naquele momento.


E a gente vai sempre treinando, tem momentos que a pessoa precisa passar de nível: já passou por vários projetos simples e temos que treinar ela para questões mais complexas pra pessoa não ficar estagnada.



E falando um pouco da sua experiência no exterior, vc acha que é muito diferente, principalmente na área de sustentabilidade, como isso é visto lá fora?


É bastante diferente sim. Lá fora, eu trabalhei na Austrália e também, quando estava no Brasil eu pude trabalhar a distância em projetos nos EUA e na Espanha. Tem as diferenças entre os países. Mas lá fora o trabalho do arquiteto, que eu vejo como adequado, não é só criador dá forma, ele é um profissional agregador, ele tem que ser capaz de compor todas as partes dentro do seu projeto, e não só o aspecto físico do projeto, mas também o aspecto de desempenho em diversas vertentes, tanto ambiental quanto na utilização de materiais e financeiro.


Então, o arquiteto tem que ser um agregador, para ser um agregador, ele precisa entender um pouco das disciplinas técnicas, ele tem que ser um profissional multidisciplinar. Então, ele tem que saber ler um projeto de ar condicionado, de elétrica, ele tem que entender de sustentabilidade, sistemas de certificação, ele tem que entender de conforto ambiental para poder dialogar com todo esse pessoal.


A diferença é que aqui a gente vê muito o arquiteto como o criador da forma, o artista, e isso é muito ruim, é insuficiente para um bom trabalho. O arquiteto que só pensa na sua concepção como um projeto de autoria única, ele nao ta fazendo um trabalho de arquiteto do século XXI.

O trabalho de um arquiteto do século XXI é concebido com muitos autores, com muitos inputs, ele não pode só sair da mente do arquiteto e os outros que resolvam, tem que ser um trabalho de criação coletiva.


Os arquitetos que eu tenho mais prazer de trabalhar são os que entendem esse princípio, de que a concepção não é um ato único de inspiração ou de arte ou qualquer que seja, já não cabe mais na arquitetura contemporânea esse ato de criação único, ele é um ato de cocriação.

Dentro desse processo tem o gerenciamento de projeto, que os arquitetos mal estão fazendo aqui, você conseguir gerenciar as entregas, o controle de custos. Mas isso não acontece aqui por diversas razões: se paga mal, o cliente decide reduzir escopo do arquiteto, ai o próprio arquiteto não se interessa a fazer coisas que tão fora do escopo dele; tem a questão da formação também, nossas escolas de arquitetura são muito pobres na questão do que se ensina na grade perto do que eu vi em Sidney, por exemplo.



Você entrou em contato com gestão de projeto no estágio mesmo?


Nos estágios e na raça mesmo. Eu comecei a fazer estágio no segundo ano, trabalhei em um escritório de mercado que fazia projeto para mercado imobiliário. Infelizmente a gente pensa assim…. minha carreira inteira eu acabei fazendo estágio em escritórios para mercado imobiliário residenciais e corporativos, e isso não é bem visto nas escolas de arquitetura, é como se fosse marginalizado, mas é o mercado.


Eu nunca trabalhei em escritórios de arquitetura que fizessem projetos icônicos, eu trabalhei na Arup, empresa de engenharia que, ai sim fazia projetos icônicos e especiais, mas nao tava do lado do escritório de arquitetura, então minha vivência de estágio e início de carreira profissional pós formação foi toda baseada em escritórios de mercado, aprendi durante esse processo.

Trabalhei seis meses também numa incorporadora, que foi uma experiência fantastica, por que eu pude aprender como o mercado funciona: como é o processo de incorporação imobiliário. Em todos os meus estágios eu pude aprender como é o estudo de massa de um projeto que tem que cumprir com legislação, tem um terreno real, como é o processo de criação, aprovação na prefeitura, compatibilização com as outras disciplinas.


Eu acompanhava o processo de formação do projeto até chegar na obra, isso me deu uma base fantástica e isso, é só no mercado que você consegue.


Agora para gerir um escritório, eu to aprendendo no dia a dia, eu na Arup tinha uma posição equivalente a um gerente, eu coordenava a equipe de sustentabilidade, então eu tinha que controlar custos, escopo, orçamento, equipe; tive a base disso numa empresa e depois que eu saí eu tive que me envolver e aprender sozinho.


Eu fui estudar sozinho, acho que nao tem nenhum curso de MBA... sou bem contra, tenho duas especializações, nenhum mestrado strito sensu, mas eu leio muito livros de gestão, hoje, com o youtube você tem aulas fantásticas e não são arquitetos falando de gestão de escritórios, são gestores de empresas e de repente eu me vejo estudando marketing, gestão de pessoas, finanças....



Seu canal no youtube é uma iniciativa muito legal, de onde surgiu a ideia?


Bom daqui a uma semana eu faço 39 anos...A minha adolescência toda foi analogica, e boa parte da minha vida adulta não existia smartphone, internet, até meus 27 anos não existia facebook, até 35 não existia o whatsapp, linkedin.


O que eu quero dizer com tudo isso, eu sou da geração que nasceu analogica, vivi boa parte da minha vida sem ser digital, e eu tenho mais da metade do que eu vivi pra viver ainda em um mundo completamente diferente do que eu vivi até hoje e do que eu me acostumei como adulto.


O que eu comecei a perceber quando comecei a estudar marketing, é que eu preciso estar nesse mundo diferente, me comunicar de maneira digital, por que a atenção das pessoas está no digital.


A rede social é a realidade hoje, então se eu quiser ser relevante pros meus próximos 40 anos de carreira eu preciso ser digital, e comecei a ir atrás do que está se fazendo, o que é legal e o que eu sou bom.


Eu comecei a ter uma presença muito forte no linkedin, que é uma rede que eu gosto, produzir muito conteúdo, e no youtube eu encontrei uma forma de me comunicar de uma maneira que eu gosto.


Eu dei aula... bastante, cinco anos de aula, mas eu cansei um pouco porque ficava repetitivo e pagava pouco... mas eu gosto de dar aula, então minha ideia é dar aula no youtube de graça com os temas que eu quero, trazer conteúdo pras pessoas e me colocar como especialista no assunto. Essa é minha motivação: virar digital.



Você tem algum conselho pra dar para alguem que ta buscando uma carreira na área de arquitetura, e na área de arquitetura voltada para sustentabilidade?


Falando de maneira geral, o conselho que eu do pra quem ta começando uma carreira, é que tem que se enfiar em tudo, não dá pra ficar só na faculdade, essa é a primeira coisa.

A oportunidade que tiver pra fazer estágio em quantos lugares puder, procure mentores, se tiver um arquiteto que você admira, procura ele nas redes sociais, liga, bate um papo, tem que meter as caras, não espera as coisas acontecerem.


Ficar esperando acontecer não funciona principalmente hoje em dia, o fluxo linear que existia antes: beleza vou terminar o colégio, vou pra faculdade, me formei, consegui um emprego e assim eu vou, nao é mais assim, você tem que adquirir know how, contatos e experiências por conta própria. Eu fiz isso minha carreira inteira desde estudante, me enfiava em tudo, ia em congresso, via as palestras... o cara termina a palestra, puxava de lado e trocava cartão, entrava em contato pedia pra conhecer o escritório dele, meu primeiro estágio consegui em função disso.


Publica artigo em algum congresso, pública poster, fica lá parado do lado do pôster, mas, beleza você tirou foto, aprendeu, conheceu professor de outras universidades, as pessoas sabem seu nome, adicionam no linkedin, enfim. Você tem que estar ativo nas redes sociais, não pode se esconder, pega o projeto de faculdade fotografa, coloca no linkedin que é onde as pessoas te enxergam como profissional, vai construindo uma biblioteca de postagens de fotos.

Tem que se expor, expor seu talento dá as caras a bater, publicar artigo e trabalho sem ter medo, as vezes a gente acha que é estudante e não sabe de nada, mas muito pelo contrário, as vezes vocês têm uma bagagem muito mais sólida e madura do que muito profissional que tem por ai e fez a faculdade nas coxas e nunca se atualizou. E putz... produza, estude e faça contatos, não deixe as oportunidades passarem não.



Site da Ca2: https://ca-2.com/

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